“Mr. Mercedes” entrega o seu melhor episódio até à data. “Rick and Morty” dá azo à mais bela ambiguidade. “Room 104” volta a jogar com o passado como base do ser. “You’re the Worst” questiona as suas personagens.
Mr. Mercedes: 1×07 – Willow Lake
Na grande maioria das séries paira uma aura de pré-aviso que coloca uma morte importante no campo do iminente. A personagem em questão recebe subitamente maior destaque, com um maior número de planos que a enquadram. Trocam-se promessas e perspectivas de futuro, havendo uma certa finalidade que denuncia o que está por vir. No outro espectro, as séries que tentam evitar a dita “estrutura”, concebendo uma morte que tem no imprevisível maior abordagem natural. Não o evitando, “Mr. Mercedes” exibe ainda assim uma certa elegância na forma como constrói a morte de Janey. A crueldade exibida pelos destroços (os restos de Janey em chamas), intercalada pela aceitação no seu discurso tido pouco antes. Uma morte que pesa ainda mais por ditar a ausência de Mary-Louise Parker. Uma interpretação capaz de dizer imenso só com o olhar.
É “Willow Lake” o melhor episódio da série até à data? Não somente por um final que promete vir a ser ponto de viragem, mas acima de tudo pela escrita refinada nos momentos a dois. Bill com Janey. Brady com a mãe. Há uma química inegável nas longas cenas que compartilham, muito em parte se devendo a excelentes interpretações por parte do quarteto de actores. Atinge-se um ponto de maior vulnerabilidade, sendo “Willow Lake” grande passo na caracterização das personagens.
A presença corporal diz imenso da psique destes indivíduos. A entrega de Harry Treadaway é cada vez mais desnorteada, seja no foro privado, seja diante dos demais. Ronda a mãe num misto de inquietação e demonstração de poder. Brendan Gleeson perde a ordem na postura quando Janey lhe conta da decisão de ir embora. Evita cruzar o olhar com esta. Tenta manter-se ocupado para contornar a iminente troca de palavras. Nunca esquecer a excelente Kelly Lynch, capaz de difundir o medo numa tentativa vã de ganhar voz.
Rick and Morty: 3×09 – The ABC’s of Beth
O penúltimo episódio de “Rick and Morty” continua a ser espelho de uma temporada exímia no aliar de aventuras tresloucadas com a conturbada dinâmica entre os indivíduos da família protagonista. O mais recente episódio demonstra-se quase como sequela directa do pedaço de culto “Pickle Rick”. Volta a acercar-se do misto de amor e ódio que Beth (Sarah Chalke) nutre por Rick (Justin Roiland). A admiração pouco saudável que tanto o desculpabiliza aos olhos da filha. A família tem alicerce na dinâmica entre ambos, funcionando como um dos principais arcos narrativos presentes desde o episódio-piloto. Ambos danificados pela saída do panorama daquela que foi mulher e mãe. Beth sente-se incapaz de amar os filhos por ela própria nunca o ter sentido, nessa que é a sua base a um loop de tentativa e erro.
O fechar de um ciclo sente-se nas palavras trocadas entre ambos, deixando de haver qualquer necessidade para o investir de máscaras. Mais parecidos entre si do que inicialmente julgavam, vêem-se tóxicos e incapazes de retribuir um sentimento. O “mundo imaginário” que Rick concebe para a filha é ilustração perfeita da criatividade de “Rick and Morty”. O design das criaturas. O belíssimo jogo de cores vivas. Froopyland é um autêntico emblema para a série.
Nunca rejeitando o aprofundamento das restantes três personagens, tido em paralelo, “Rick and Morty” fá-lo neste episódio como veia cómica que aligeira o arco de Rick e Beth.
O melhor ver-se-ia trunfo para a recta final. É apresentada a Beth uma via de escape sem qualquer colateral na consciência. Esta que tanto criticava o pai pelo abandono sofrido, agora colocada entre os pólos da dúvida. É na ponderação que o espectador fica suspenso, naquele que é um dos mais geniais cliffhangers dos últimos anos. A origem da Beth que reaparece na cena final deixada ao critério de cada espectador, sofrendo metamorfose mediante a postura de cada um. “Rick and Morty” eleva-se na excelência quando se dedica a aprofundar o núcleo destas personagens. Por detrás da sua exuberância, “Rick and Morty” mostra-se consciente no fardo de ser-se humano.
Room 104: 1×09 – Boris
A série dos Irmãos Duplass entrega o seu episódio mais directo até à data, menos propício a subtexto e sem qualquer twist no horizonte. Uma finíssima fatia de vida que contempla passado, presente e futuro. “Boris” coloca frente-a-frente duas personagens improváveis, ambas estrangeiras de condição. Ambos carregam o fardo da família que lhes resta, seja por amor, seja por dívida.
Konstantin Lavysh dá corpo a uma das prestações mais físicas até então requeridas pela clausura de “Room 104”, espelho da faceta mais privada. Serve de palco a uma mente deturpada pela guerra de outrora e pelos vícios que lhe regem a pressão do dia-a-dia. O seu corpo preenche o espaço diante da camareira com a maior das honestidades, intensificando ainda mais um laço que é tão efémero. Mera estranha que se cruza no seu caminho e que nada exige deste, não o reconhecendo sequer como celebridade. Cada qual é lufada de ar fresco no percurso do outro, deixando marca que vai além da mera noite.
A influência do passado volta a marcar presença passageira em “Room 104”. Memória como catapulta à identidade.
You’re the Worst: 4×04 – This Is Just Marketing
O marketing a que se refere o título do episódio como máscara ao quarteto de “You’re the Worst”. Gretchen (Aya Cash) disfarça a sua fragilidade. Jimmy (Chris Geere) desce do pódio no qual se colocara. Lindsay (Kether Donohue) opta pelo foro profissional em detrimento de um sentimento genuíno que eventualmente lhe traria dor. Edgar (Desmin Borges) vai contra o seu próprio cerne para se reajustar.
Jimmy: Have you tried negging?
Edgar: Isn’t that something lame dudes did, like, ten years ago?
Jimmy: Now it’s making a comeback. Like pubes and racism.
Quatro anos depois, a escrita de “You’re the Worst” continua mordaz, certeira, hilariante, por demais conhecedora das personagens que tem em mãos e daquilo que as demarca entre si. Não receia em rondar assuntos tabu, fazendo uso regular de um humor negro que ainda assim não lhe retira seriedade. Becca (Janet Varney) é amostra de uma mãe que nunca o deveria ter sido. Incapaz de lidar com a porção de si mesma que a filha lhe rouba. Presa à escolha que não lhe é menos que prisão.
O fosso instalado entre Jimmy e Gretchen promete sofrer novo abalo, agora que esta está de regresso à casa que outrora compartilharam. Os close-ups no rosto da actriz conseguem arrancar olhares que chegam a ser perturbadores. Há sempre um sorriso estampado que é fronteira a um ser em ebulição que não deveria ser atiçado.
Um pensamento em “RC (18-24, Set-17): Dois estrangeiros na secção de erótica”