Alguém muito mais esperto que eu tem o hábito de me dizer, naquelas fases más em que a tormenta se apodera do espírito, que “nós só estamos mal onde estamos”. Não é propriamente uma frase poética, nem uma observação original tendo esta já sido imortalizada através de outras palavras, tanto por Fernando Pessoa, num maravilhoso poema interpretado soberbamente por Camané, ou até mesmo por António Variações, mas é incisiva e despertadora. Toda a gente, ou quase toda, acha que a própria vida é uma treta e idealiza alternativas em que seria mais feliz ou até julga que é o único a quem a vida corre mal. A realidade é que a insatisfação com o que se tem é apenas um fardo que todos gostamos de carregar. O terceiro episódio de “Philip K. Dick’s Electric Dreams” é como que uma parábola relacionada com este sentimento tão comum entre os humanos.
“The Commuter” apresenta-nos um homem comum, de meia-idade, com uma vida rotineira e pouco satisfatória. Trabalha numa estação de comboios, as pessoas que o rodeiam parecem distantes umas das outras, o mundo é sombrio e sujo, tem um filho bastante problemático e uma mulher que mais facilmente aceita o violento comportamento do filho do que a postura do marido perante a vida, que considera falsa.
E é então que, certo dia, uma misteriosa jovem lhe oferece uma alternativa. Não directamente, porque a história vai-se revelando como um mistério. Pede um bilhete para uma cidade inexistente e desaparece num piscar de olhos como se nunca ali tivesse estado. Com o apetite aguçado para encontrar a resposta, este homem decide arriscar. Mas será que aquilo que Macon Heights – assim se chama o local – propõe é o que este homem precisa?
O conceito de realidade alternativa idílica que acaba por servir de lição de vida é temática recorrente na ficção científica. Basicamente, com este conto Philip K. Dick quer-nos ensinar a dar valor àquilo que temos. Porque as coisas que muitas vezes sentimos como sendo fardo, ou causa da nossa infelicidade, são na realidade aquelas que nos preenchem e definem.
É por esta mensagem e toda a sua carga simbólica que “The Commuter” é o episódio da série com mais substância até à data. Precisava de um pouco mais do que os 48 minutos de duração que tem para que a história pudesse respirar melhor, mas não perde valor no que toca à intenção, que é fazer-nos reflectir e, acima de tudo, valorizar aquilo que temos.