Crónicas (T3): Quando a chávena quebra

Nunca devendo ser ignorado, o som pode ser uma ferramenta essencial para reforçar uma ideia pré-estabelecida. Motivo recorrente nos diálogos trocados por ambos os protagonistas de “Hannibal”, a chávena cai, num belíssimo slow motion que a engrandece na importância vindoura, e produz ao quebrar o som que a regra dita. Imagem do irrecuperável. Inicialmente diegético, audível para a própria personagem, o som pode ser reavido mais tarde já sem a imagem que o acompanha.

Basta uma primeira vez para que se estabeleça a relação imagem-som. Quando a chávena se decidir de novo a quebrar na ausência da imagem, o espectador irá trazer à tona a mensagem do irrecuperável, de um tempo que não volta atrás.

Na presente década televisiva, dois sons assaltam-me a memória uma e outra vez. Em “Signal 30”, episódio de “Mad Men” maioritariamente focado em Pete Campbell (Vincent Kartheiser), faz-se ouvir a fraqueza do indivíduo. Inicialmente ouvido pela própria personagem, o pingar da torneira volta a fazer-se soar na recta final do episódio somente como piscar de olho privado ao espectador. Objecto que se insinua e lhe sussurra ao ouvido “Inútil. Não és homem. Não és nada.”, reduzindo-o à insignificância por comparação directa a Don Draper (Jon Hamm). É com esse mesmo som que o espectador abandona o episódio.

No episódio-piloto de “Fargo” (ainda o tenho como o melhor início de uma série da actual década), é um som do dia-a-dia que nos conduz à primeira aparição de Lester Nygaard (Martin Freeman). Oriundo da cave, o som de uma máquina de lavar roupa no fim dos seus dias, insinua-se no piso onde marido e mulher se encontram a almoçar.

Lester: Sounds different today, don’t you think? Like…angry.

À semelhança do sucedido com Pete em “Signal 30”, também Lester se prontifica a tentar reparar a fonte do som. Duas posturas que se equiparam na tentativa de preencher a noção do que é ser homem. A máquina de lavar roupa é o som presente no dia-a-dia de Lester que o relembra como um falhado, incapaz e incompleto aos olhos da mulher. Objecto que é banda-sonora à parte mais obscura da sua mente. Não só se volta a fazer ouvir nos últimos minutos do episódio, como se repercute no decorrer da temporada como lembrete ao ponto de ebulição de Lester.

Meros exemplos que elevam um som mundano à caracterização de uma determinada personagem. Medidor de sensações abstractas tantas vezes intransponíveis no campo visual.

 

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