Areia na engrenagem

Nos ido 1990 todos nos deliciávamos com “Baywatch”. A série que deu um significado enganoso aos nadadores-salvadores e que foi publicidade enganosa para todos os jovens que iam a praia em busca do David e da  Pamela com os seu dois Golias.

Acho que todos mais ou menos sabem o que era esta série, feita para consumo rápido e não mais do que para entreter. Mas relembre-se para o caso de algum dos leitores ter passado aquela década num seminário: uma praia vigiada por incríveis, infatigáveis, responsáveis e bem torneados (de acordo com o conceito vigente à altura), nadadores salvadores, sempre vestidos de laranja bem justo.

Eles faziam mais do que vigiar a praia e as ondas: salvavam pessoas e combatiam o crime (todo o género de crime). Se a série fosse no mundo real, aquela seria a praia mais perigosa do mundo e, por certo, proibida a sua frequência. Em termos de perigosidade ao nível de uma Coreia do Norte, ou uma qualquer rua mal frequentada durante o período nocturno numa metrópole de uma país em desenvolvimento.

Aliás, pensando em retropsectiva, não sei se os seguros cobririam os frequentadores daquela praia.

Mas deixemo-nos de divagações e voltemos ao que interessa: “Baywatch” a série mítica que povoa as paisagens nostálgicas de muitos de nós.

Vêm estas recordações a propósito da adaptação para cinema de “Baywatch”. Sim, para cinema. Provando que nem só de migrações do cinema para a televisão se faz a ficção de hoje. É certo que tal só acontecerá pela mesma falta de imaginação e apelo ao investimento com retorno que leva os estúdios a apostar nas sequelas e nos reboots. Este é outro tipo de investimento: o da saudade de todos os trintões e quarentões que queiram regressar a um local onde se foi (moderadamente) feliz. E, claro, conquistar novos públicos ao pintalgar o cast de actores reconhecíveis pelas novas gerações.

O filme está longe de ser bom. É medíocre. Mas tem o mérito de assumir que é uma homenagem e uma brincadeira sobre a matriz original. Julgo que, na abordagem que apresenta, procura fazer o mesmo que Jonah Hill fez com “21 Jump Street”, um produto surpreendentemente refrescante e bem produzido/escrito que se revelou uma belíssima comédia. Este “Baywatch”, não está ao mesmo nível.

Diverte, é certo, tem alguma piada. Cheia de piscares de olhos, procura ser humorística, onde a matriz nunca foi (sempre se levou demasiado a sério). Mas nunca consegue recuperar a nostalgia de quem viu a série.

Estão lá os corpos bonitos (agora com um upgrade ao gosto dos anos que passam: mais músculo, menos peito), os diálogos vazios, a limitação dos actores (terá sido propositado?), as torres de vigia, o mar da Califórnia. Mas também tem excessos: carrega na caricatura, tem uma história que se aguentaria na televisão, mas que não serve o cinema. Depois o humor: por vezes duvidoso, raramente com verdadeira piada, a maior parte das vezes, um tiro ao lado. E inside jokes com o estatuto dos dois actores principais (Dwayne Johnson e Zac Effron) e com os papeis que representam.

Claro que trazem de volta David Hasselhoff e Pamela Anderson, mas desnecessariamente, sem contexto. Apenas porque sim. O primeiro está velho e largo, vivendo da piada que se tornou e revelando um poder de encaixe apreciável por isso. A segunda apareceu. Só isso, apareceu. Não parece mais velha, mas claramente mais pequena, parecendo que os seus Golias atingiram a maioridade e saíram de casa. A aparição dos símbolos da série televisiva foi totalmente desnecessária, não adiantou e talvez tenha atrasado.

Enfim, o filme, com uma estética cinematográfica actual (fogo de artíficio e muito visual) diverte e não mais do que isso. Mal por mal, mais vale a série.

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