Ano da ascensão de um misógino ao poder. Ano da imoralidade trazida à tona, palco ao “consenso” como palavra de ordem. Num real cada vez mais distópico, buscam-se motivos a trabalhar na ficção. Num ano por demais político, houve tempo e espaço para as ansiedades que assolam o ser na individualidade. O panorama televisivo tem vindo a servir cada vez mais como via para (des)construir o desassossego da mente. Como tal, aumentam em número as séries que não receiam em chafurdar no abismo das doenças mentais. A nível pessoal, passa como a constante que melhor interliga as séries que visualizei em 2017.
“Homeland”, num desgaste que se lhe equivale à idade, continua a dar protagonismo à bipolaridade que tenta coexistir com a rotina diária. Talvez não seja o melhor exemplo. Se há uns anos parecia querer ser-lhe fiel, a série abusa agora da doença levianamente como forma a manter Claire Danes na corrida aos prémios. “Homeland” rodeia-se do nosso mundo real como catalisador à ânsia do espírito da personagem. Cenário pós-11 de Setembro, raíz da vigilância exacerbada e da perda de privacidade (“Mr. Robot”, sempre de olho), motivo a olhar o vizinho com desconfiança. Mais recentemente, “American Horror Story: Cult” depositou o olhar numa América conspurcada pela vitória de Donald Trump. Partia-se assim das eleições como motivo de ordem maior para um outro de teor mais intimista, as fobias que se manifestam num indivíduo como resultado. Quanto a esta não ouso pronunciar-me mais além, visto não ter passado do “episódio-piloto”. Já te distingo as cores, Ryan Murphy!
2017 trouxe a confirmação de uma novata vinda do ano anterior, como um dos mais peculiares produtos televisivos a rondar os distúrbios mentais. Comédia surrealista baseada na vida da própria protagonista que coexiste com o seu distúrbio bipolar, “Lady Dynamite” nunca cessa em provocar estranheza no espectador. Uma mescla de passado, presente e futuro, por entre pugs que falam e momentos musicais. Ao contrário de “Homeland”, que nos coloca no exterior como voyeur da diagnosticada, “Lady Dynamite” ousa entregar ao espectador os sintomas da doença. Abraça a loucura como espelho da realidade.
“BoJack Horseman” e “You’re the Worst”, duas das comédias mais pessimistas da actualidade, demonstram lucidez na tentativa de fazer progredir a narrativa com o desassossego da mente como entrave. Ambas com a quarta temporada exibida no ano que agora finda, mantiveram-se em pólos opostos uma da outra no que à qualidade diz respeito. Ao sexto episódio, “BoJack Horseman” arrasta o espectador para o interior conturbado da mente do seu protagonista. Somos guiados pelo seu monólogo interior, inaudível aos demais que o rodeiam. Palavras duras e incapacitantes, que dão voz à existência deste como luta diária consigo mesmo. Chegam mesmo a ser sufocantes, dada a rapidez com que se insinuam.
Episódio com o condão de nos colocar sob o ponto de vista do inquieto, um pouco à semelhança do sucedido em 2016 com a meia-hora dedicada ao stress pós-traumático de Edgar em “You’re the Worst”.
Independentemente da questionável qualidade exibida na mais fraca temporada até à data, “You’re the Worst” mantém-se série de referência na lide das doenças mentais. Revigorante e honesta no destaque dado à depressão, sempre de mãos dadas com a excelente entrega de Aya Cash ao abismo do seu papel.
Não esquecer por um só segundo que 2017 apresentou o espectador à delirante “Legion”, palco à esquizofrenia da personagem principal. Experimentalismo visual e sonoro em resposta a uma mente sem âncora do real.
2017 foi ode aos contornos sinuosos da mente. E aí desse lado, alguma temática que melhor tenha marcado o vosso ano televisivo?
Que interessante, nunca tinha parado para pensar mas efectivamente foi um ano com forte aposta nas doenças mentais. Shameless junta-se à corrida também, bem como Good Doctor. Agora, onde estão os meus pugs?!
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Sim, também me ocorreram essas duas. E ainda “Atypical”, que não vi. Continuaste a ver The Good Doctor? Alguma coisa de jeito?
Ahh pugs pugs 😀 Em “Lady Dynamite”, são a alma da coisa. E falam. Um autêntico freak show aquela série.
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Muito interessante. Mesmo muito.
Não sendo um tema novo, pareceu-me que em 2017 continou a forte aposta nas distopias. E ainda bem, porque é um tema que me interessa muito.
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Sim, também me interessa bastante. “The Handmaid’s Tale” com merecido destaque e mais actual que nunca. E amanhã chega-nos “Black Mirror”, ainda antes de nos despedirmos do ano.
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Excelente ponto de vista. Acho que nunca tinha parado para pensar nisso.
O meu ano fica claramente marcado pela perda/morte (The Leftovers e SFU), e pela luta constante das mulheres (Mad Men e The Handmaid’s Tale). Foram as 4 séries que mais me marcaram este ano (se a memória não me estiver a atraiçoar :D).
Amanhã conto iniciar a última temporada de SFU (nem quero acreditar que já só me falta uma…).
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E que belo ano foi esse então 🙂 As saudades de Mad Men e Leftovers são mais que muitas.
Curioso pela tua opinião da série quando a terminares.
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