Depois de episódios como “The National Anthem” (oink oink), “The Entire History of You” e “White Christmas”, o voyeurismo regressa em força a “Black Mirror”. O vício do olhar que incorre na crítica ao próprio espectador. Aqui não como via de prazer, mas sim numa promessa de segurança.
Uma mãe que adopta o ponto de vista da filha de forma a acompanhar cada passo dado. Um excelente ponto de partida para “Arkangel”, entrando para o currículo da série como tese necessária para se compreender o humano com pé no futuro. O problema reside naquilo que se lhe segue, a execução. Do início ao fim, o episódio vê-se construído sem qualquer espaço para ser lido nas entrelinhas. O clamar pela filha em plena rua a demarcar o início bem como recta final do episódio, num antes e depois da aplicação que lhe dá nome, chega a ser embaraçoso no quão desprovido de subtileza se encontra. Roça-se o expositivo no momento em que se discute o livre arbítrio na sala de aula, demonstrando um certo desespero de Charlie Brooker em fazer passar tudo aquilo a que se propunha na teoria. Se “Black Mirror” deveria ser desafiante, aquilo que aqui se viu foi um palmilhar de terreno seguro e pouco confiante no desenvolver de uma premissa com boas pernas para andar.
Crescer numa redoma de vidro, fronteira a todo e qualquer estímulo “negativo” que a existência humana possa ter a oferecer, como que educada em casa, longe da interacção necessária a um crescimento saudável. Um mero cão. Um rosto espelho ao luto. Uma gota de sangue. Tudo se vê desfocado, censurado, adaptado à possibilidade de a vir a conspurcar, violentar, metamorfosear. Crescer sem quaisquer ferramentas para lidar com a vida. Desenvolvimento deficiente, na ironia de uma mãe que só queria o melhor para a filha.
“Arkangel” sofre com uma duração que não lhe permite dispor no tempo um curso de acontecimentos mais orgânico. É logo no primeiro dia livre do olhar da mãe, que Sara (Brenna Harding) se vê assaltada por uma catadupa de imagens violentas (o tão convidativo “espelho negro”). É logo no reaver da aplicação que a mãe testemunha a filha em pleno acto sexual, num conveniente “Fuck me harder” que nos coloca na interessante óptica de alguém que cresceu com a pornografia como medidor do real. Cada espreitadela da mãe conduz a um acto. Nada contra, na medida em que a caracteriza como mãe, mas acaba por se mostrar parco num crescendo da desconfiança, no desenvolver desse inimigo debaixo do mesmo tecto. Ainda assim, excelente o momento em que obriga a filha a tomar a pílula do dia seguinte sem o conhecimento desta.
A estrutura exibida pelo episódio em momento algum surpreende, seguindo o tal terreno seguro que em última instância o caracteriza. O “grito” final, não o da mãe mas o da filha, assemelha-se de certa forma ao encerrar de percurso em “Nosedive”. Libertam-se as amarras. Segue-se para a possibilidade de imperfeição. Tendo estofo para bem mais, “Arkangel” desleixa-se numa escrita que não faz jus a “Black Mirror”.
Achei o episódio fraquinho. O conceito era interessante, mas como dizes, a execução não foi boa.
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Faltou referir que o episódio foi realizado por Jodie Foster
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