À semelhança do aclamado “San Junipero”, esse consensual episódio que inovou no tom da série, volta a fazer-se uso do amor como tema maior no quarto tomo da temporada. Desbrava-se a tecnologia como castradora desse elo genuíno tão utópico na distopia de “Black Mirror”.
Na era do “consentimento hollywoodesco”, “Hang the DJ” usa a tecnologia como firme resposta. Consentes? Carrega no botão. Apresenta um mundo formatado na óptica do emparelhamento perfeito. Rejeitam-se as infindáveis possibilidades de escolha, aqui teorizadas como base a uma insatisfação perpétua, e traz-se a obrigação para o jogo que é a busca do par ideal. O olho do “Grande Irmão” sempre vigilante, pronto a redireccionar cada tentativa de fuga de volta ao curso que a norma dita. Relação atrás de relação, seja esta duradoura ou veículo casual para meras horas, constroem-se os perfis de ambos os protagonistas. Como reagem nesta e naquela situação, migalhas ao estudo da postura num relacionamento. Aplicação questionável no pré-aviso da duração, podendo assim provocar nos participantes um certo desleixo. Ao conhecer-se-lhe a meta, torna-se difícil uma maior dedicação na relação imposta. Até mesmo o passo de viver com a outra pessoa é dado de imediato, como que ponto de partida característico de um qualquer reality-show que provoca a ebulição do casal. Mostrando-se aplicação duvidosa, peca ainda na ausência de quaisquer intervalos por entre relacionamentos, não permitindo tempo e espaço para um sarar de feridas e a possibilidade de se existir a solo.
A ser emparelhado no cenário televisivo de 2017, “Hang the DJ” casa com “First Date” de “Master of None”. Ambos se propõem a ser estudo à busca do amor por via da tecnologia, interacções em catadupa que fazem do indivíduo mancha disforme e impessoal. Ainda que no caso de “Master of None” o cenário seja mais terra-a-terra e reconhecível, ao olharem para lá da azáfama dos encontros, ambos os episódios funcionam de igual forma como postal à solidão. A dada altura, Amy (uma magnetizante Georgina Campbell) observa o desfilar de casos de uma só noite que desfilam na sua cama. Imóvel, dormente à fugacidade dos corpos que lhe preenchem os dias. Ao passar da superficialidade do primeiro encontro, “Hang the DJ” vai mais longe no estudo a que se propõe. Acerca-se dos pequeninos trejeitos que gradualmente adquirem maior peso num relacionamento e o corroem com o tempo. Quão hilariante o culminar do sexo oral com o som característico do par de Amy? “Black Mirror” livra-se do negrume que lhe é constante, do pessimismo como ordem natural, e entrega um episódio bem mais leve com laivos de um humor descontraído. Um pedido com ar aborrecido, em pleno acto sexual: Bit faster? More motion.
A rebelião contra o sistema, uma e outra vez, chega como a derradeira resposta para a compatibilidade de ambos, já do outro lado do espelho. 99.8 %. São bem mais que percentagem. A química que os interliga é de louvar. Não vive somente da urgência do sexo, transparecendo quase palpável até mesmo numa troca de ideias. Elevam cada instante do episódio.
Da intenção à execução, nada deturpa a visão de “Hang the DJ”, que entra para o currículo de “Black Mirror” como um dos mais completos episódios. Pedaço televisivo alvo do mais puro deslumbre. Sorriso no rosto que tão cedo não esmorece.
Grande episódio. Daqueles que nos deixa animados logo no começo do novo ano, e que prova que Black Mirror consegue dar-nos finais felizes como poucas outras séries. Um dos meus episódios favoritos da série, e sem dúvida melhor desta quarta temporada fraquita.
PS – https://www.youtube.com/watch?v=wMykYSQaG_c 🙂
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Não achei a temporada nada fraca (com excepção para “Arkangel”), mas é também o meu preferido. Logo seguido por USS Callister e Metalhead.
E sim, que bela música para encerrar o episódio 🙂
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