Chega ao fim uma das mais fracas temporadas de “Shameless“.
Shameless: 8×09 – The Fugees
Frank Gallagher a esmurrar uma miúda, momento que acaba por sobressair num dos mais fracos episódios da temporada. Uma cena arriscada que raras séries ousam em entregar.
A mais recente relação pseudo-amorosa de Fiona continua a crescer. Talvez pudesse despertar o mínimo interesse se o actor com quem a protagonista contracena exibisse um qualquer pingo de emoção humana. Tal não se dá, com Ford a agir num constante desfilar inumano. Chega mesmo a ser penoso de ver o quanto forçam em cena uma personagem que nasce com o mero intuito de ser o oposto de Fiona, porque aparentemente tem-nos sido dito ao longo dos anos que é tal e qual o que esta precisa. Seja nas línguas que fala, nas amizades que empreende, nos conhecimentos descabidos que exibe diante de Fiona, é contínuo postal a uma personagem que se pensa como o antídoto, acabando por nada ter de natural como ser na individualidade. Da postura corporal aos olhares de constante ensaio na sedução, nada funciona na personagem que idealizam como lufada de ar fresco. A química? Nula. Uma talentosa Emmy Rossum emparelhada em cena com um robô.
Shameless: 8×10 – Church of Gay Jesus
Um dos actores com um maior número de cenas dignas de referência pela respectiva prestação é sem dúvida Jeremy Allen White, que não merece ser retirado da conversa que aclama somente os dois que lhe ficam acima no protagonismo. Independentemente da minha apreciação por Lip, em queda nos últimos anos, é inegável a excelente entrega por parte do actor. O antepenúltimo episódio da temporada é lembrete às suas capacidades, na perdição face à notícia da morte repentina do professor que tanto o influenciara. De louvar a estabilidade da personagem no curso da temporada, ainda sem recorrer ao álcool neste que lhe é significativo ponto de viragem. Uma das suas melhores cenas dá-se neste episódio, na epifania de ser apenas mais um. Os discursos dos ex-alunos em tudo se assemelham com as palavras às quais não chega a dar voz. Culmina num bonito momento partilhado com a filha de Youens. Um fraco episódio que consegue ainda assim ser significativa progressão no percurso de Lip.
Episódio que fica marcado pela ascensão de Ian, alvo de veneração, e a rara interacção com Frank que daí resulta. Se se pensar no percurso de “Shameless”, facilmente se chega à conclusão deste ser um emparelhar de personagens que raramente encontra motivo para tal. Na verdade, pode apontar-se isso a Ian no que toca à sua interacção com um grande número de personagens presentes na série, não fosse este precursor de arcos narrativos um pouco exteriores aos restantes membros da família.
No que diz respeito ao trio alheio aos Gallagher, houve laivos da velha comédia que “Shameless” ocasionalmente tão bem entrega. Ainda assim não deixa de ser ridículo que Svetlana, personagem que prima pela capacidade de se adaptar a inúmeras situações, tenha de ser comandada pelos outros dois até mesmo na postura a apresentar.
Shameless: 8×11 – A Gallagher Pedicure
Ainda que não seja grande louvor numa temporada tão duvidosa na qualidade, o penúltimo episódio não deixa de ser o melhor entre os quatro que aqui se aglomeram. Em grande parte se deve ao momento que lhe empresta o título. Frank corta os dedos a Debbie, entrando de rompante no historial das cenas que tão bem caracterizam a ousadia da série. A frieza e despreocupação de Frank nunca antes se viram tão essenciais.
Temporada do dinheiro, da sua ausência às tarefas hercúleas para o obter. Incapacita Debbie. Move Fiona e Frank. Hilariantes as várias tentativas de Frank em receber uma pensão de reforma. No pólo oposto encontra-se Kassidi, sem nunca se ter preocupado com dinheiro e que agora anseia por uma vida de pobreza ao lado de Carl.
O venerar de Ian ganha tracção desmedida. “Shameless” mantém a personagem num constante limbo, deixando o espectador na dúvida quanto às acções deste poderem ou não ser influência directa da doença. Se a quinta temporada se viu em grande parte dedicada à sua bipolaridade, nesse que lhe foi o melhor arco narrativo, pouco ou nenhum destaque se dá actualmente à doença. Não me refiro a que se volte a cair na mesma, o que a acontecer seria algo perfeitamente natural, mas poderia ser dada a conhecer essa sua luta diária. Há pouco de Ian como personagem individual, estando na grande maioria do seu tempo de antena numa constante interacção com os demais. E em privado, porque não trabalhar um pouco mais a personagem?
Shameless: 8×12 – Sleepwalking
Isidora Goreshter abandona “Shameless”. Um fim da linha necessário para uma personagem que se vinha a esgotar cada vez mais nos motivos narrativos. Svetlana despede-se com anel no dedo e com a garantia do sonho americano. Ou assim o pensa, ainda ignorante quanto ao acordo pré-nupcial. Um final que joga com o cerne da personagem e a encerra da melhor forma. Resta saber o que se segue para Kevin e V, e se serão ainda capazes de despertar interesse a solo. Talvez a solução passe por voltar a cruzá-los com os Gallagher, num retorno à química dos velhos tempos.
O título do episódio parte da condição de Liam, numa jogada forçada e conveniente. Porque não introduzir o seu sonambulismo episódios antes na temporada, de forma a ser melhor construído? Poderia ter funcionado bem melhor. Independentemente disso, é de louvar a temporada por nos ter finalmente trazido um actor para interpretar Liam. A sua última cena é de crescimento para a personagem, num libertar de amarras da influência nefasta do pai. Já no que toca a Frank, a sua temporada de aparente metamorfose culmina no já esperado regresso aos velhos hábitos. Cidadão exemplar? Não mais.
Ian é voz a todos aqueles que fogem à “norma”. O olhar de despedida, já no carro da polícia, é de uma ambiguidade que lhe reflecte os demónios interiores. Numa temporada péssima para a personagem, Debbie chega à meta a repensar o fardo de ser mãe solteira. Depois de inúmeras atribulações para conseguir dinheiro aqui e ali, pondera agora a custódia partilhada. Chegou a ser penoso acompanhá-la neste oitavo ano.
À semelhança de Frank, também Fiona se viu em período de metamorfose. Ao contrário do que inicialmente aparentava, chega ao fim com o seu império ainda de pé. Uma estabilidade já duradoura que é tão rara no historial da série. A essa alia-se uma relação amorosa para a qual entra de olhos abertos e consciente dos erros cometidos no passado. Pena que a cara-metade seja tão forçosamente diferente de Fiona.
Por último, Lip leva a melhor da temporada. Fiona e Frank podem exibir protagonismo certeiro temporada após temporada, mas Lip elevou-se ao patamar destes com a (des)construção da sua sobriedade. Íman ao drama, viu-se alvo de infindáveis peripécias que lhe fugiam ao controlo. Serviram-lhe como testes constantes ao recorrer da garrafa, acabando por lhe dar a vitória no fim. É um bom quebrar de ciclo, ainda que ciente das tentações futuras. Depois da morte de Youens, corta a ligação com Sierra, numa tentativa de se afastar do negrume que o rodeia. Importante ponto de viragem que possibilita o reinventar da personagem. É neste que assenta a maior promessa para a nona temporada.
Por mais arcos que se proponha a encerrar, “Sleepwalking” não consegue endireitar a salgalhada que se revelou ser este oitavo ano. Inicialmente com tudo para dar certo, a temporada chega à meta sem ter passado pela montanha-russa de emoções que tão bem caracteriza e demarca “Shameless”.