Sem tempo a perder, “Star Trek: Discovery” desnuda o seu maior mistério até hoje criado.
O “mirror universe” é uma gigantesca ratoeira da qual parece ser difícil escapar ileso. Mais do que uma singela viagem a um “outro lado do espelho”, é um reflexo que molda as personagens, uma introspecção materializada. A primeira vítima é clara: Ash Tyler.
Que o Ash era o Voq e o Voq era o Ash já se tinha percebido. Já muitos o tinham percebido mesmo antes da série ter decidido revelá-lo. Agora, chegou o momento de colocar todas as cartas na mesa. Chegou o momento das próprias personagens, especialmente a Michael Burnham, chegarem à mesma conclusão que a audiência já tinha chegado: que há um lobo entre os cordeiros.
Já tinha tido a oportunidade de abordar as implicações que a revelação do Ash Tyler como sendo o Klingon Voq potenciaria, sobretudo pela relação desenvolvida entre ele e a personagem principal da série, Michael Burnham.
Desde o seu início que a série tem colocado nos ombros da sua protagonista o peso do mundo. Tudo o que acontece parece claramente existir em seu serviço. Nos episódios iniciais, o piloto que foi dividido em duas partes, dava a sensação que a série se encontrava demasiado refém dessa necessidade. No entanto, com a introdução da tripulação da Discovery, esse foco diluiu-se e a história deixou de ser “one woman show”. Porém, a maioria das reviravoltas ou revelações com maior impacto na história até hoje continuam a sê-lo ao serviço sobretudo da personagem principal.
O Ash revelado como Voq traz ramificações em muitas direcções, mas quem sofre o maior impacto continua a ser a Burnham e este episódio é o maior reflexo disso mesmo. Mais do que o desvendar do mistério (que até já o tinha sido) é a forma como é revelado à Burnham, é a forma como ela reage, é a forma como a revelação a afecta.
Isto é importante porque para uma narrativa sólida é importante a existência de uma sólida personagem principal, e para que exista uma sólida personagem principal é importante torná-la multidimensional, estruturando-a, dando-lhe complexidade, permitindo que se torne palpável, que não seja apenas uma representação duma determinada realidade mas sim essa mesma realidade. Por outro lado, relança uma dúvida antiga, dissipada durante alguns episódios, de que a série se encontra demasiado refém da sua protagonista. É uma faca de dois (le)gumes, como diria o outro, mas, para já, parece servir a história exactamente de acordo com as suas necessidades.