Reparei com alguma surpresa que têm estreado diversas séries baseadas em livros, preparando-se para chegar uma catadupa de novas propostas baseadas em best sellers de maior ou menor reconhecimento público.
Veio-me esta constatação, seguida de reflexão, por ocasião do visionamento do primeiro episódio da adaptação televisiva do romance histórico “The Alienist”, de Caleb Carr, e do anúncio da adaptação de um dos meus romances preferidos “Catch 22”, de Joseph Heller.
A adaptação de romances está longe (muito longe!) de ser uma novidade. A literatura sempre foi fonte de inspiração para filmes e séries nos mais diversos formatos e com os mais díspares resultados de qualidade e de sucesso do público. No entanto, nos últimos anos aquilo a que assistimos na televisão (ou ficção televisiva como prefiro dizer) são a dois formatos: os conceitos originais e as adaptações frenéticas de comics.
A adaptação de livros, não estando ausente perdeu o papel central. Dois ou três exemplos ao correr da memória: a adaptação do colosso da literatura que é “Guerra e Paz”, de Leão Tolstoi ou os mais carismáticos e pop(ulares) “Game of Thrones” George R.R. Martin, e “Outlander”, de Diana Gabaldon. Há muitos outros, eventualmente com díspares e menor sucesso, não sendo intenção fazer uma listagem exaustiva daquilo que foi feito, antes reflectir um pouco naquilo que se tem feito, como se tem feito e daquilo que se avizinha.
“The Alienist” é para mim um caso curioso. Detestei o livro, tendo-me sido penoso e morosa a sua leitura (tenho o princípio de ler um livro até ao fim por muito mau que aquele seja, princípio que tenho estado a rever por considerar que há mais a fazer com o pouco tempo livre de qualidade a que nos devemos dedicar). Só que estou a gostar muito daquela adaptação televisiva. Onde o primeiro era chato e petulante, este, limadas as deficiências consegue ser cativante. Confesso que irei ver a totalidade da série, embora sem uma fidelização excessiva.
Das outras séries referidas acima, “Guerra e Paz”, foi uma adaptação competente e sem rasgo, “Guerra de Tronos”, é aquilo que sabemos, sendo de notar que estamos numa fase que não é uma adaptação dos livros, e “Outlander”, baseado em livros que não li nem consta das minhas prioridades ou lista, não me cativa.
Há algumas evidências curiosas na adaptação de material a partir de uma fonte publicada. Todos sabemos e tecemos loas à crescente qualidade televisiva da sua ficção. Um dos defeitos que encontrei nos visionamentos de séries adaptadas de romances ao longo de anos de ávido espectador de ficção foi o carácter algo híbrido e de grande insatisfação geral com o resultado final, tão mais evidente quanto melhor conhecia o material de origem. Ora, a qualidade generalizada das séries teria, cedo ou tarde, também que se reflectir nas adaptações de livros.
E felizmente que tal aconteceu já. O curioso é que não nos apercebemos de tal tão entranhado está o direito e o consumo da qualidade ficcional televisiva. Quem se lembra que uma das melhores séries de todos os tempos é a adaptação de um romance distópico seminal, como “The Handmaid’s Tale”, de Margaret Atwod? Poder-se-á dizer que a qualidade superou o livro como em “The Alienist”? Tal é subjectivo, dependendo do juízo de cada qual. Na minha opinião, não! O livro é extraordinário, assim como o é a série. Poderemos dizer que igualou o livro. E poderemos dizer tal, sem esquecer que a literatura e a ficção televisiva (ou em cinema) são suportes diferentes, com linguagens específicas, devendo ser avaliados como tal.
Um outro exemplo muito recomendável “American Gods”, série adaptada do romance de Neil Gaiman. Aliás, enquanto o romance de Atwood já havia sido transposto ao cinema (com resultados pouco interessantes), este nunca o fora e, na minha modesta opinião, nem faria sentido pois parece ser o televisivo o meio mais adequado para a sua existência ficcional.
Na mesma linha estará “The Man in the High Castle”, de Phillip K. Dick a realidade alternativa de um mundo nazificado que encontra na televisão o seu habitat natural, embora por via de um redesenho do livro para incorporar novos personagens e linhas narrativas. Lembra “Game of Thrones”? Até certo ponto: neste último temos novas linhas narrativas, mas tivemos a fusão e eliminação de personagens que seriam centrais ou pelo menos com peso na estrutura narrativa. Não acompanhei (ainda) a segunda temporada do livro de Phillip K. Dick, mas estou curioso para ver do afastamento ao material original. Na mesma linha tivemos, no último ano, a adaptação em minissérie (um formato fechado quiçá mais fiel ao material original) de outra série com um pressuposto similar “SS-GB” de Len Deighton, no qual se é fiel à narrativa do livro, não existindo liberdades criativas que adulterem – mais do que a imagem em movimento – a história do livro.
“Big Little Lies” é outro caso de uma adaptação de sucesso de público e da crítica que não li, preferindo não me pronunciar, desconhecendo igualmente se a segunda temporada prometida e que contará com Meryl Streep será a adaptação do livro, ou uma entidade autónoma.
Mesmo o estimável “Westworld”, adaptação de um romance de Michael Crichton, conduz a uma constatação simples (e, claro, subjectiva): um romance imaginativo mas comercial, pode transformar-se num produto televisivo de qualidade. Foi este o caso, onde a série ultrapassou a qualidade do livro. E, sim, parte do material literário.
Muitos outros casos poderíamos referir, como: “Philip K. Dick’s Electric Dreams” pelo que li por aqui desigual e desinteressante; “The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story” baseado num livro de reportagem (“Vulgar favors”, de Maureen Oath) e não num romance, uma tendência curiosa que se afirma nos últimos tempos; ou o clássico “Little Women”, de Louise May Alcott, um dos livros iniciáticos da minha adolescência e ao qual conto regressar em breve quer por via da série, quer relendo o livro. Por certo que escapa muita coisa…
E o que ai vem? Uma enxurrada de promessas.
Além do já referido e aguardado “Catch 22”, apresta-se a chegar a adaptação de um livro vencedor de diversos prémios e com excelentes críticas sobre a ascensão da Al-Qaeda, com Jeff Daniels e Alec Baldwin, que estreará ainda em Fevereiro: “The Looming Tower”, de Lawrence Wright e que aguardo com alguma expectativa.
“The Immortalists”, adaptação do livro de Chloe Benjamin, que parte da premissa de “o que faria alguém que conhecesse o dia da sua morte?”, livro com muito boas referências, assim como a comédia “You Think It, I’ll Say It”, escrito por Curtis Sittenfeld, e com Kristen Wiig no principal papel, produzida por Reese Whitterspoon e do qual, dizem-me que o autor do livro tem uma escrita refrescante e muito divertida.
Mais entusiasmante pelo picante que poderá conter, aguardo com alguma expectativa a adaptação de uma história sobre o desaparecimento misterioso do Presidente dos EUA em plena Casa Branca, num livro de mistério escrito por James Patterson e por… Bill Clinton (sim, o ex-Presidente e marido da futura Presidente que perdeu as eleições para Trump), intitulado “The President is Missing”.
A lista é enorme e não cabe aqui. Talvez noutro post quiçá, listando tudo o que ainda virá. Será uma nova tendência, ou o aprofundar de uma prática que estreita ainda mais as sinergias possíveis com as diversas plataformas e veículos ficcionais.
Espero que todos saíamos a ganhar, embora pelo darwinismo televisivo, todos percebemos que nem todas terão o seu lugar na televisão ou nas nossas atenções.
Uma coisa é certa: a televisão é uma forma de tradução do material escrito em imagens. Há muitos anos um escritor italiano dizia que os tradutores de uma obra em língua original, faziam tantas alterações que se transformavam em traidores do escritor, cunhando a expressão “traduttore, traittore”. Daí o título desta crónica.