“Don’t judge a book by its cover“, diz-se metaforicamente, no Reino Unido e em países anglo-saxónicos, quando se quer frisar que não se deve julgar a qualidade ou o valor de algo baseando-se apenas na sua aparência (por cá, usamos o “as aparências iludem”). E tal como, se optarmos pela abordagem literal da frase ao invés da metafórica, um livro não deve ser avaliado pela sua capa (ou até pelo seu primeiro capítulo) , uma série não deve ser julgada pelo seu primeiro episódio.
Claro que tenho consciência da tremenda ironia daquilo que acabei de escrever. Por aqui, procedemos dessa forma sistematicamente, por isso não me escapa uma certa hipocrisia inerente a uma crónica que pretende enaltecer as desvantagens de avaliar uma série por apenas o seu primeiro episódio. Mas, a verdade, é que ao fazer esse tipo de avaliação estamos a optar por seguir deliberadamente um caminho que sabemos ser incorrecto, induzidos por uma espécie de pressão social que nos alimenta a necessidade de colocar um rótulo em tudo.
Sejamos claros: há muitas séries de qualidade que tiveram fracos começos. Seja um episódio-piloto, meia temporada ou até mais que uma, há séries que acabam por compensar o tímido início. Basta ter algo que, nos dias de hoje, parece existir em doses limitadas: paciência. Mas sejamos ainda mais claros: há outras que nunca o compensam. E como uma série de televisão é um formato de longa-duração, que implica despender muitas horas, uma certa devoção que não está ao alcance de todos, há que recorrer a fontes externas. Os amigos, os críticos, os opinion-makers, todos têm algo a sugerir, todos têm algo a dizer, mas, mesmo aqueles com quem tenhamos maior afinidade, nem sempre necessariamente nos estão a sugerir aquilo que se enquadra com o nosso gosto.
O que fazer, então? Ignorar críticas, sites de rating, o nosso amigo que não se cala? Definitivamente, não. Apenas criar um mecanismo que permita algum controlo.
Primeiro que tudo, por mais gabada que seja por terceiros, se uma série não se enquadrar dentro do que se gosta provavelmente o melhor é não insistir. Ver uma série só para ter sobre o que conversar com os amigos, é um fraco motivo para o fazer. Discutir aquilo de que se gosta é prazeroso, mas não proporciona mais prazer que aquele que se retira da própria visualização. Até porque o entusiasmo que demonstramos por algo de que gostamos muitas vezes não é correspondido e o prazer da discussão com terceiros rapidamente se transforma em amargura.
Segundo, se o primeiro episódio não convenceu e se se hesitar em continuar a desperdiçar tempo, tentar perceber a evolução junto de uma constante. Um determinado crítico que acompanhe cada episódio, por exemplo, de preferência um que tenha uma visão com que nos identifiquemos. Muitos são aqueles que, mesmo que tenham ficado desencantados com um início, caso mudem de opinião rapidamente a tornam pública.
Terceiro, não esperar que toda a história seja revelada nos primeiros capítulos, ou que ocorram reviravoltas fantásticas no final de cada um dos episódios. Uma narrativa para ser sólida precisa de atenção, dedicação, espaço. Há que ter alguma, lá está, paciência.
Quarto, ver o maior número de episódios seguidos possível. Há quem discorde, apontando que vendo um episódio de cada vez, com algum distanciamento entre tomos, se absorve melhor a história e os detalhes da mesma. Há quem prefira até rever o episódio antes de seguir para o próximo. São todos métodos legítimos, dependentes da sensibilidade de cada um. Da minha parte, defendo que as maratonas (que já existem há muito tempo, bem antes de haver Netflix) são a melhor forma de se envolver na narrativa. Perde-se um bocado a noção de que o episódio x é mais fraco, não se sentem tanto os (naturais) altos e baixos, sentindo-se mais fluída, mais consistente até, enquanto quando se espera uma semana por um novo episódio há pormenores que naturalmente nos vamos esquecer, por exemplo.
Acima de tudo, há que dar mais que uma oportunidade. Se à segunda, ou até mesmo uma terceira, não encontrarem motivos para continuar, então, aí sim, o melhor é partir para outras (e há tantas). Mas nunca, nunca mesmo, devem desistir de uma série por esta ter um primeiro episódio fraco. A concepção de um piloto está sujeita a tantas pressões externas, que nem sempre é criativamente o melhor exemplo da capacidade das pessoas envolvidas na sua criação (ironicamente, o oposto também acontece, com um piloto de qualidade cuja premissa não consegue o desenvolvimento que merecia). Por isso mesmo, nunca se deve julgar um livro pela capa. Nem uma série pelo seu primeiro episódio.