A utopia da liberdade que reveste “The Handmaid’s Tale” de regresso neste 25 de Abril. Quão adequado?
A segunda temporada abre com um reunir do “gado”, numa cena de um sadismo indescritível. Encaminhadas para a forca, sem nada que as distinga por entre a vestimenta que compartilham. O terror na perda da identidade, voz, escolha. Uma caminhada realizada de forma soberba, com as ocasionais intromissões de luz que as envolve somente por breves instantes – essa constante visual das mãos em contacto com os feixes de luz que tantas vezes lhes é negado. Pânico e desespero desenfreados a despertar associações com o real. Uma cena longa, capaz de cimentar o ambiente doentio e inescapável que ali se pede. O facto de se saber de antemão que o percurso de June não termina ali, não chega a retirar força àquele aparente fim de linha. E eis que…”This Woman’s Work” faz-se ouvir. Uma vez mais a escolha da música esventra a imersão de uma cena. A música originalmente composta para a série nunca falha nos seus tempos. O mesmo não se pode dizer da selecção de músicas alheias à série, esse ponto fraco numa primeira temporada de excelência. Independentemente da força das suas letras – nunca inseridas ao acaso -, a verdade é que se dão quebras em acções que deveriam poder falar por si só. É em momentos como esse que “The Handmaid’s Tale” desce uns degraus para confraternizar com séries menores. Requeria-se silêncio. O rosto de Elisabeth Moss já demonstrou conseguir vender o mundo sem auxílio externo.
Our father, who art in heaven…Seriously? What the actual fuck?
O episódio que catapulta a temporada surge como limiar entre estados. Começa por prometer uma descida aos infernos ainda maior – a estadia em Gilead pode sempre piorar -, apenas para se reverter na recta final e presentear o espectador com a tão ambicionada saída. Liberdade com tudo de relativo, vê-se ponto de viragem para June e “The Handmaid’s Tale”. Belíssima e visceral a cena que encerra o episódio. A automutilação como via para se reaver a si mesma. A punição que June não chega a sofrer na pele por mão alheia e que, por sua causa, vê infligida nas demais.
“The Handmaid’s Tale” continua a saber trabalhar o cinzento nas motivações. Enquanto que o regime totalitário se apresenta como vilão incontestável, os seus precursores deambulam numa fluidez de emoções que não os reduz de imediato a um só campo. Serena (Yvonne Strahovski) pontua a sua postura de vilã com gestos ocasionais que a humanizam – o beijo na testa de June – e a relembram ao espectador como vítima da sua própria condição. O propósito de ser mãe, acima de qualquer outra coisa. Nunca a desculpando nas acções, confere-lhe ainda assim uma complexidade bastante interessante de acompanhar.
A promessa de liberdade chega como directriz a uma temporada com a difícil tarefa de superar ou pelo menos igualar o nível de qualidade da sua predecessora.
Que saudades de Westworld e The Handmaid’s Tale 😀 Vou ter que me apressar com as séries que estou a visualizar para pegar novamente nestas duas pérolas… Depois passo aqui para ler as críticas, sempre um excelente complemento aos episódios 😀
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Curioso que só agora nesta segunda temporada, ao calhar serem exibidas na mesma altura, é que começo a pensar em ambas como próximas em termos temáticos. A carga misógina, o uso e abuso do corpo, a liberdade como horizonte, a revolta gradual, etc.
Cá te espero para a troca de opiniões 😀
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Uau, que forma de regressar… A cena inicial é inacreditável! É este tipo de cenas longas, sem qualquer tipo de pressa em desenvolver a narrativa, que macam uma série. Excelente.
Destaco ainda a belíssima cena que dá capa à tua análise. Aquele plano à chuva, de cima para baixo, é simplesmente lindo.
Negativamente, também só apontaria a banda sonora em algumas cenas (o silêncio por vezes faz milagres).
Fiquei com vontade de ver já os episódios todos desta segunda temporada:D
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É melhor doseares esta série senão ficas de cama com cólicas :p
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