Por detrás da cortina.
Ao segundo episódio, e como já lhe é característico, “Westworld” volta a fazer malabarismo com várias linhas temporais, num avança e recua assente numa estrutura que não chega a transparecer como rebuscada. Salta à vista como o primeiro da série sem a presença de Bernard. Ou talvez não seja assim tão merecedor de destaque, dada a presença constante de Jeffrey Wright. É interessante o quanto se conta acerca de Arnold sem o uso directo da personagem. Isto é, a solo.
Dolores: Looks like the stars have been scattered across the ground. Have you ever seen anything so full of splendor?
Arnold: Well, I have. It’s better to see it through your eyes, though. You get used to it. After a while, it doesn’t look like anything at all.
Contam-se os contornos da personagem em contraste com a ausência de empatia exibida por Ford. Conta-se a sua backstory na total existência de Bernard – belíssima a faixa sonora que se faz ouvir sempre que o nome do filho é proferido. Conta-se a sua incapacidade de existir no mundo através do código de Dolores. A supracitada resposta de Arnold acusa a morte gradual do esplendor, a eterna insatisfação do ser humano que procura sempre mais e mais. A efemeridade do belo, do transcendente. A linha de apresentação de Dolores (Some people choose to see the ugliness in this world, the disarray. I choose to see the beauty.) permite-lhe ver aquilo que ele próprio não consegue. Postura de um fascínio que se renova a cada novo dia. Vivência de origem artificial que não experiencia a ânsia da mortalidade, a noção prévia de finito.
“Reunion” desbrava terreno virgem para o percurso da série. Pela primeira vez abandonam-se as fronteiras de Westworld para uma incursão ao mundo exterior – o esplendor das luzes que denuncia a “reacção” de Dolores, ainda sem grande margem para o improviso que a viria a demarcar dos restantes. Recua-se no tempo para testemunhar os eventos que antecederam a visita de William e Logan ao parque. Antes da paixão nutrida por Dolores, da ascensão de um visitante em contraponto com a queda de outro, da aceitação da cor negra como padrão de carácter. Dá-se um balancear interessante entre três instâncias do passado bem distintas entre si, bem como o presente e promessas de futuro. Se no decorrer da primeira temporada mais facilmente se atribuiria o rótulo de vilão ao veículo Ed Harris, neste “Reunion” é Jimmi Simpson quem se eleva à altura do cargo. Fala-se de uma mesma personagem, é certo, mas não deixa de ser fascinante como num só episódio se transmutam ambos os actores na óptica da empatia do espectador.
Do you know what saved me? I realized it wasn’t about you at all. You didn’t make me interested in you, you made me interested in me. Turns out you’re not even a thing. You’re a reflection. And you know who loves staring at their own reflection? Everybody.
O William do passado, numa metamorfose gradual equiparada a queda, reduz Dolores a nada. Apenas mais uma por entre tantos outros andróides, dotada de código e uma pitada de improviso. Apesar dessa recém-adquirida sobriedade, lê-se nas suas entrelinhas um rancor que peca em cessar. Semente para a sua perdição moral ainda por vir. Em contraponto, o William actual, envelhecido pela linha do tempo, numa perspectiva de redenção. A sua demanda passa agora pela procura dessa “arma” por si construída – o seu “maior erro”, como o próprio o apelida -, num arco narrativo que prenuncia o cruzamento com Dolores. Meta à temporada?
James Delos: There’s not a man alive would talk to me like that. Not anymore.
Na sua totalidade, “Reunion” é episódio de caracterização maior para William. Introduz-se no panorama James Delos (Peter Mullan), numa cedência gradual de poder até que o corpo lhe falhe de forma irreversível – as palavras de Dolores em recorrente eco na memória: Time undoes even the mightiest of creatures. One day you will perish. You will lie with the rest of your kind in the dirt. Your dreams forgotten, your horrors effaced. Your bones will turn to sand. Num episódio que é em primeiro lugar de William, a linha de diálogo de James é piscar de olhos à persona levada a cabo pelo “Man in Black”, sendo a frase que no futuro este viria a adoptar e usar como contra-ataque a Lawrence (Clifton Collins Jr.). Aqui se germina a base do seu carácter, como que em jeito de substituição total de alguém que deveria igualar somente na componente de chefia da Delos.
“Reunion” enquadra um momento há muito esperado, tanto mais pela perspectiva de um showdown entre aquelas que são as duas personagens mais fortes da série. Dolores e Maeve cruzam-se num intervalo de tempo que não chega a atingir a marca dos dois minutos. Talvez não esteja previsto um qualquer aliar de forças – afinal de contas, ambas exibem posturas de rebelião bastante distintas entre si -, mas não deixa de se sentir tamanho instante como anticlimático e subaproveitado. Há algo de magnético na forma como Thandie Newton ocupa o ecrã e desvia todas as atenções para si mesma. Passa-se à frente, cada qual com um propósito devidamente demarcado, e fica no ar a sensação de um reencontro incapaz de voltar a suscitar a mesma expectativa.
Episódio de evolução para várias personagens – Teddy consciente da sua origem – e de aprofundamento dado a outras até então bastante subaproveitadas – Angela como fio condutor à sublime cena da festa. “Reunion” não só entrecruza linhas temporais como distribui propósitos mais claros a seguir pelas personagens no curso da temporada.
Na sede de absorver tudo sobre o Avengers: Infinity War depois de ver o filme apanhei um artigo sobre o mesmo, brasileiro, que era formidável. Disse para mim: “Quase tão bom como algumas das análises no TVD”. Porra Rafa, que categoria. E fazem isto por “geekness”… Excelente mesmo. Parabéns.
Adorei este ep de Westworld. Talvez por, finalmente, termos um cheirinho de como tudo começou. Este pequeno desbravar da história por detrás dos parques e das cabeças que o idealizaram é delicioso.
O encontro entre as deusas androides. Top.
Só mesmo a narrativa do Men in Black é que não me cativa muito.
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Epá obrigado Pedro, a sério. E acima de tudo por continuares a ser uma presença tão assídua aqui no espaço.
Quanto ao episódio, também fica um pouco de pé atrás com o arco do Man in Black. Aliás, para mim isso já vem da primeira temporada. Não que seja mau, mas dou sempre por mim com bastante mais interesse no percurso das personagens restantes.
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O TVD é uma passagem diária obrigatória. 🙂
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Esperava mais qualquer coisa do encontro entre Dolores e Maeve, foi demasiado breve 😀 A Maeve emana uma energia incrível, só aquele olhar hipnotiza qualquer pessoa, ou android…
O episódio teve vários momentos sublimes, principalmente os que envolveram o passado de Dolores.
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Sim, a Maeve é constantemente aquela personagem que ainda consegue mexer minimamente comigo em termos emocionais. Tem realmente uma presença que a meu ver a demarca das restantes personagens.
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