A prisão do corpo.
O melhor episódio da temporada chega sem Dolores e Maeve. Sendo estas duas personagens a força motriz de “Westworld”, paira a dúvida se na individualidade possuem um arco narrativo com interesse o suficiente para se sustentarem por mais seis episódios. Uma coisa é certa, revigorante este interlúdio à matança desenfreada que pautara a recta inicial da temporada. Respiram-se agora outras possibilidades. Um episódio bem menos disperso – ainda que com várias linhas temporais -, construído quase como hora televisiva isolada.
“The Riddle of the Sphinx” inicia-se com uma cena que em muito se assemelha à sublime abertura da segunda temporada de “Lost”. A música oriunda do gira-discos, a bicicleta estática, a câmara que percorre o cenário e acompanha a personagem no curso da rotina antes de efectivamente lhe enquadrar o rosto. Tratando-se de um espectador de ambas as séries, é quase impensável não trazer à tona a veterana perante uma abertura como esta. Aparentemente, não passa de uma mera coincidência.
É igualmente um pouco difícil não reavivar na memória as ramificações da Dharma Initiative – imensas as saudades daquele desfiar da mitologia -, dada a expansão geográfica que gradualmente ocorre no mundo de “Westworld”. O desvendar de pontos geográficos que fogem ao escrutínio do mapa e que enriquecem ainda mais o núcleo da série. O laboratório serve como ponte entre várias fatias de tempo, fortalecendo essa sensação de um capítulo menos disperso em motivos narrativos. Sim, é certo que a estrutura do episódio cedo denuncia a possibilidade de James Delos ainda se encontrar atrás daquela porta, mas nem por isso se atenua a crueldade que é deixá-lo “aceso” e consciente durante tanto tempo naquela sua descida aos infernos. Sombrio aquele seu pedalar. Com apenas dois episódios no bolso, Peter Mullan deixa já marca indelével em “Westworld”. Transmite na perfeição uma ebulição contida, moderada por um corpo que lhe é jaula. Ao descobrir que perdeu a família, James faz uso das emoções primárias, agora numa dissonância entre corpo e mente, resultando num soberbo momento de interpretação.
William: In truth…everyone prefers the memory of you to the man himself.
Linha de diálogo que poderia facilmente aplicar-se a quem a profere. William (Jimmi Simpson/Ed Harris) carrega o peso da morte da sua mulher, fardo que o consome e orienta. Aos olhos de Juliet deu-se um choque entre a sua percepção do marido à saída de Westworld e a memória que deste guardava. Acima de qualquer outra coisa, “The Riddle of the Sphinx” propõe-se a ser estudo da personagem que investe o negro. E funciona bastante bem como tal, conseguindo-se aliar o fardo do irreversível com a perspectiva ausente de um futuro com a filha. Um homem que aposta na “ressurreição”, e que no entanto não consegue reaver um laço humano. Na crítica ao episódio anterior não colocara a hipótese da nova personagem ser filha de William, mas no curso deste que se lhe seguiu pisca-se o olho à possibilidade ainda antes da revelação final. Nem que seja pela inclusão da personagem num episódio tão temático como este: o laço entre pai e filha, ilustrado por William, James e Lawrence (Clifton Collins Jr.). Num episódio com apenas quatro conjuntos de personagens e sem a presença das preponderantes Dolores e Maeve, cedo se dá a entender que a inclusão de Emily (Katja Herbers) se deve a um propósito maior. Peripécias escusadas para uma personagem que havia sido introduzida no episódio anterior, e que como tal se encontrava bem presente na memória como peça narrativa a mover. Dar-lhe este escape e reforçar a sua vinda na fala – “I’m not looking to get out of here” -, num episódio que é essencialmente estudo de William, apenas prenuncia aquilo que poderia ter sido uma surpresa maior.
Um dos trunfos desta segunda temporada é a sua capacidade em transitar entre linhas temporais através das memórias da constante Bernard (Jeffrey Wright), um pouco à semelhança do sucedido com Dolores na temporada anterior. Diferente na medida em que agora não se tenta mascarar o feito de uma outra coisa, havendo uma lucidez assente no próprio ponto de vista da personagem. Quem é o humano cuja consciência Bernard se veria obrigado a inserir num andróide? O próprio Ford? E por falar na extinta personagem de Anthony Hopkins, terá este ainda algum controlo sobre Clementine (Angela Sarafyan)? Aparte a dúvida se a andróide virá a ter alguma fala no curso do seu microcosmo Walking Dead, paira uma outra quanto à motivação que a leva a conduzir Bernard até ali. É este o tal projecto que William se propõe a destruir no presente? O mesmo que Dolores pretende usar como arma, meta ao reencontro entre ambos?
“Westworld” desperta do seu modo de sono, elevando a temporada a um outro patamar de interesse. Resta saber se aquilo que se lhe segue não é um mero retomar da matança sem qualquer cunho emocional.
Não sei se é coincidência ou não mas é com Westworld que voltei a sentir a “necessidade” de ir à net desmontar cada episódio. Se em Lost eram nos foruns (saudoso lostbrasil) agora com Westworld é no Youtube. Brilhante o que muitos conseguem apanhar e descodificar a cada episódio.
Westworld é mesmo uma daquelas séries que não podemos desviar os olhos do ecrân.
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Confessa, é a presença do Rodrigo Santoro!
Por acaso acho que ainda não me fez esse clique para me meter a explorar teorias e afins. Mas realmente começa a sentir-se nesta segunda temporada uma expansão geográfica e mitológica à la Lost, penso imensas vezes na série. Agora com “Lost” sim, por mais anos que passem as saudades não cessam. Que saudades daquele mundo, daquelas personagens…
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