Sayonara, Shogun World?
Uma curtíssima incursão por um novo mundo, que culmina sem motivos para um retorno no futuro. Para Westworld leva-se unicamente a personagem mais pobremente caracterizada por entre as três apresentadas. Porque arco e flecha até dão jeito? E assim continua a crescer um grupo que é cada vez mais um autêntico freak show, epítome de comic-relief. Compare-se o seio deste grupo com aquele encabeçado por Dolores (Evan Rachel Wood) e ambos se distanciam entre si quase como antónimos.
Tempo investido em personagens que serviram somente para estabelecer um paralelo com a condição de Maeve (Thandie Newton). Nada contra, mas se o mesmo é feito em detrimento do desenvolvimento das personagens acompanhadas desde o primeiríssimo episódio, então resvala no questionável. Ainda que hajam objectivos na mira e jornadas a percorrer, as velhas personagens carecem actualmente – entenda-se, todo o curso da segunda temporada – de uma caracterização “humana” que clame pela conexão emocional do espectador. Sofrem gradual metamorfose para autênticas caricaturas. Se a primeira temporada se mostrou slow-burner eficaz na caracterização de personagens, a segunda erra ao tomar contínuo crescimento como um dado adquirido. Como tal, este acrescento de novos pontos geográficos, ainda que entusiasmante em termos narrativos, acaba por roubar tempo precioso ao desenvolvimento das personagens. A título de exemplo, o percurso de Maeve. Inúmeras conversas trocadas pelos membros do seu grupo no curso da viagem, e no entanto nem por uma só vez se traz à luz o óbvio, de que a filha terá uma nova mãe. Para alguém que prima cada vez mais pela lucidez e racionalidade que lhe são contranatura, roça o ridículo que Maeve não coloque essa hipótese em evidência. Simplesmente chega, arranca a filha e molda-lhe a mente para que esta se esqueça de quaisquer laços actuais? Para alguém que salienta cada vez mais a possibilidade do genuíno que nasce das relações pré-programadas, não coloca em causa que a filha possa sentir o mesmo pela nova mãe? Lá por ter sido a primeira a quem alguma vez chamou por mãe, tamanho laço não é menos código que todas as réplicas que lhe seguiriam.
Apesar dessa “inocência” exibida por Maeve, facilmente desculpável pelo clímax emocional que ali vive, não deixa de ser um belíssimo momento há muito aguardado. A música ajuda, é certo, confere-lhe um certo corpo em falta pela pobre caracterização das personagens. Uma irrepreensível banda-sonora, cuja ausência apenas revelaria uma série um tanto ou quanto coxa. Quantas as cenas que nada seriam, que nenhum pingo de emoção suscitariam no espectador, na ausência de música complementar? Enorme muleta a “Westworld”. Belíssima, mas não deixa de ser uma muleta. Fragilidade narrativa que só traz à tona a incapacidade de se fazer valer crua. Recentemente trouxe “The Americans” à conversa pela sua magnífica habilidade em enquadrar silêncio total. No polo oposto, “Westworld”, sem estofo para lidar com a ausência de música. Incomparáveis entre si, é certo, com a série da HBO a almejar um público mais mainstream e “inquieto” de olhos e ouvidos.
William: If I head with you to the beach…let this place finish burning behind us…that means you and I are even?
Grace: It’ll be a good start.
Não é apenas Maeve quem vive essa demanda pelo mais genuíno dos laços. Dolores segue o rasto do pai, esse seu calcanhar de Aquiles. Grace (Katja Herbers) tenta salvar o pai, num discurso revigorante na intenção de perdão. Um grande Ed Harris que exibe com o olhar uma vulnerabilidade até então desconhecida. Curiosa a última troca de palavras entre ambos. Grace demonstra vontade em reaver o pai. Na manhã seguinte, este volta a abandoná-la, incapaz de se aceitar como outra coisa que não culpado pela morte da mulher. A culpa é-lhe rótulo e força motriz.
A fidelidade de Bernard (Jeffrey Wright) testada pela própria Dolores, num inverter de papéis bastante curioso. É possível acrescentar peças ao passado de “Westworld” e ainda assim sentir a progressão narrativa como orgânica e previamente pensada.
Tal como havia previsto na crítica ao quarto episódio, é Ford o tal ser que Bernard se vira obrigado a replicar. Uma reviravolta muitíssimo bem conseguida traz de volta Sir Anthony Hopkins como um ghost in the machine. A cena final mais promissora na temporada até então. Hello, old friend.
Valeu essencialmente pelo reencontro de Maeve com a filha (também pensei o mesmo relativamente à “possibilidade” da filha ter uma nova mãe) e pela cena final 😀
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