O elo que vai além do ventre.
No palco desolador de “The Handmaid’s Tale”, quão rara a existência de uma cena tão optimista como aquela que encerra o oitavo episódio? Belíssima, do melhor com que a série já presenteou o espectador, capaz de fazer esboçar o tal sorriso no rosto tão ausente no curso da distopia. A reviravolta pelo simples facto de não incorrer na ruína característica da série. Aqui o toque, já por si tão relevante na história a contar, assume uma importância extra, estabelecendo um contraste entre os dois tipos de mãe que ali se cruzam. De um lado, a total ausência do toque, própria de uma mãe incapaz de estabelecer qualquer elo de ligação com a filha. Mãe somente em estatuto, porque o regime assim lho aponta como a ordem de todas as coisas. Do outro lado, uma outra que não desiste da filha mesmo quando lhe é prenunciado o óbito. Um belíssimo momento de pele-a-pele que tanto diz sobre o rumo das crianças que irão crescer no seio do regime, muitas destas entregues a mães que nunca desejaram sê-lo.
Por vezes, dado o alto calibre do elenco feminino que preenche “The Handmaid’s Tale”, pode cair-se no erro de remeter Madeline Brewer para a sombra. Se já se haviam vislumbrado inúmeros laivos daquilo que a actriz é capaz, é talvez com “Women’s Work” que tudo se torna mais evidente e difícil de ignorar. O entusiasmo de Janine, a sua capacidade em ver luz num túnel escuro como breu – “No blowjobs” -, apenas deixam transparecer uma inocência desmesurada face a tudo aquilo que tem vindo a sofrer na pele. Frágil e optimista, mescla de traços de carácter que tanto a demarcam das restantes handmaids.
June: Blessed be the fruit.
Janine: May the force be with you.
O interior da casa dos Waterford é cada vez mais um dos cenários de horror melhor construídos em televisão. As divisões falam por si só, auxiliando-se de um uso reduzido de iluminação. Os espaços que as interligam comunicam uma sensação de calvário a ultrapassar, com o compasso arrastado de June (Elisabeth Moss). O silêncio pesado, a ausência de cor – curiosa a sugestão de Eden (Sydney Sweeney) para um papel de parede amarelo -, tudo contribui para uma aura de opressão que reveste cada canto e estratifica níveis de poder. A casa-prisão é personagem.
É no seu interior que se vivem actualmente estranhas e complexas interacções por entre o trio de personagens. A tentativa em reaver o respeito e estatuto de outrora: Fred (Joseph Fiennes) encaminha Serena para a porta, reduzindo-a de novo à sua insignificância; Serena (Yvonne Strahovski) sufoca o choro e ordena que June vá para o quarto. Entre o casal, June, que clama pelo perdão do mestre como jogada de sobrevivência.
A violência infligida a Serena promete vir a agitar os alicerces dos Waterford. Não obstante tudo aquilo que já sofreu nas mãos desta, June vê pela primeira vez naquelas chibatadas o fardo que compartilha com Serena, o ser-se mulher, veículo à soberania do homem. Estabelece-se um distorcido elo de ligação que June ainda pode vir a usar a seu favor.
Jogadas de poder. Cedências. Infracções. A segunda temporada de “The Handmaid’s Tale” prima pela (des)construção de relações que chegaram a habitar a simplicidade do preto-e-branco.
Provavelmente o melhor episódio da temporada. Com mais ou menos minutos, praticamente todas as principais personagens tiveram tempo de brilhar. Cada vez gosto mais da evolução da Serena (para nós, já que para ela parece que vai acontecer precisamente o contrário), tal como da Janine (a tirada da ” may the force be with you” e a alusão ao filme Alien foram muito boas.
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