The OA (T1): Ao segundo movimento, a magia sai reforçada

O texto que se segue NÃO CONTÉM SPOILERS

Brit Marling e Zal Batmanglij têm histórias para contar. Basta ver qualquer uma das suas colaborações para o perceber. Com nome estabelecido no cinema independente norte-americano, especialmente no Sundance Film Festival, tomaram de assalto o Netflix no final de 2016 com uma proposta que fugia aos padrões das séries produzidas pelo gigante do streaming. A série em questão, “The OA”, chegou sem aviso mas depressa conquistou o seu espaço. Tenha sido pelo desafio (receio) que tal aposta implicava ou devido a uma estratégia de marketing anti-estratégia de marketing (a inexistência de promoção pode ter sido propositada), a verdade é que resultou.

Uma fábula dos tempos modernos, “The OA” parece querer-nos dizer: “aceitem as vossas diferenças e poderão moldar a realidade”. Uma mensagem tão simples como óbvia e, no entanto, tão difícil de encaixar porque perdemos demasiado tempo a focar-mo-nos naquilo que nos separa, a reagir em vez de agir, e não damos crédito suficiente àqueles que lutam por ser diferentes. Um sistema será sempre um sistema enquanto nós o permitir-mos. Para quebrá-lo é preciso coragem, impõem-se um movimento. Ou cinco. E é com esses movimentos que a série do Netflix nos quer ensinar a respeitar a vida, quem somos e, sobretudo, quem são aqueles que nos rodeiam, que tantas vezes desprezamos por capricho ou simples desinteresse.

É em cinco pessoas, tão conhecidas entre si como se fossem estranhos, que a revolução se faz. Abrem-se portas à imaginação e ali, numa casa inacabada, de costas voltadas para os sacrifícios que o destino lhes exige, aceitam o convite para sonhar que podem fazer a diferença. Mesmo que por vezes se revelem resistentes ao conforto proporcionado pelos momentos em que passam juntos, nos seus olhos sente-se a esperança de que, talvez, a vida seja mais do que mero sofrimento. E, depois, há movimentos coreografados como que saídos de contos de fada, onde uma dança sincronizada bloqueia as forças do Mal ou salva vidas – tão puro tal sentimento, no entanto facilmente corrompido pelos vícios da sociedade.

Num cruzamento entre fantasia (anjos, vida depois da morte, movimentos capazes de abrir portas para outra dimensão) e ficção científica (o estudo que tenta provar a veracidade ou não dos elementos de fantasia), “The OA” sente-se como um desafio. Transforma algumas das suas personagens em audiência, tornando a audiência personagens, pedindo-nos continuamente para acreditar. Acreditar que a história contada não é um mero devaneio de alguém mentalmente debilitado, acreditar que um grupo de inadaptados pode fazer a diferença, acreditar que o que parece impossível pode ser possível com algum esforço e dedicação. Acreditar que a viagem que nos propõe vai valer a pena.

E, após a primeira visualização, posso dizer que valeu. Aliás, foi uma das minhas séries favoritas do ano em que foi lançada. Decorrido mais de um ano e meio, e porque a segunda temporada está prevista chegar nos próximos meses (final de 2018 ou início de 2019), decidi submeter “The OA” a um “teste de resistência”, com uma nova visualização. E a verdade é que continuo a dar comigo a “fazer os movimentos”.

Em séries que se alimentam de mistério é-lhes intrínseca um certo sentimento de perda durante uma segunda visualização. Não em termos qualitativos, pois se a série revelar qualidade fá-lo-á através de diversos factores além do mistério, mas quando a história está contada deixa de haver o incentivo da descoberta e o êxtase da surpresa. Mesmo que já não esteja fresca na memória, é quase como se perdesse parte da sua vitalidade (e se nada restar para além do mistério torna-se inerte). Nesse sentido, todas saem a perder. Por outro lado, uma segunda volta permite solidificar a percepção da narrativa, facultando detalhes ou conexões que antes teriam escapado, e se o êxtase da surpresa deixou de existir, agora há a antecipação da revisitação de determinados momentos-chave.

Esta segunda visualização confirmou-me que “The OA” funciona desta forma para mim. O que deixou de ser novidade transformou-se em reforço. As personagens, sobretudo algumas das secundárias, ainda precisam de ser mais trabalhadas, mas sentem-se agora mais sólidas, o cruzamento entre o fantástico e o real sente-se mais orgânico e, como consequência, a narrativa sente-se mais orgânica. O que me leva a uma conclusão simples: “The OA” é daquelas séries que se pode definir com o tão comummente utilizado slogan de Fernando Pessoa para a Coca-Cola, em que “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. É a repetibilidade do consumo que potencia o prazer retirado do que se consome.

2 opiniões sobre “The OA (T1): Ao segundo movimento, a magia sai reforçada”

  1. Bom apanhado. Vi a série no ano passado e gostei imenso. Os sucessivos atrasos na produção da segunda temporada fizeram-me temer que não iria ver a luz do dia, o que seria mais uma enorme injustiça… Pelos vistos está mesmo para breve a continuação.
    Não é uma série com grande visibilidade, provavelmente porque assim o quis (não conheço ninguém que a tenha visto), mas vale a pena dar uma oportunidade.

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