Crónicas (T4): TVSéries – Homeless of HBO e o estado decrépito de (quase) todos os canais nacionais de séries de televisão

A perda, ainda não oficializada mas notória junto dos consumidores, do catálogo HBO por parte do TVSéries é mais um forte sinal que as plataformas de streaming estão determinadas em eliminar a concorrência. Basta ver o autêntico degredo em que se tornaram as grelhas de programação de quase todos os canais dedicados à exibição de ficção televisiva escrita que operam em território nacional para ter poucas dúvidas que o streaming é, mais que o futuro, o presente e que o modelo tradicional ou impõe a sua própria revolução (mas como?) ou progressivamente cairá no esquecimento. É que hoje temos Netflix e Amazon Prime e amanhã teremos HBO, quem sabe Hulu daqui a uns tempos e outros que tais. Para quê, então, gastar dinheiro para ou ter canais extra de séries ou um canal premium onde repetições até à exaustão de “Game of Thrones” e “Outlander” (imagino que isso se deva a não saberem que são feitas quase 500 novas séries por ano só nos EUA, fora ainda os excelentes conteúdos europeus que quase só quem trabalha na RTP2 conhece e todas as outras séries mais antigas, e melhores que estas, que o público português desconhece ou gostaria de rever), ou séries de terceira canceladas ao fim de poucos episódios como “The Defenders” e “King & Maxwell”, ou ainda banalidades como “Chicago Fire” e derivados, ocupam lugar privilegiado num canal que era suposto ser premium e não um AXN 2.0?

Antes de voltarmos ao TVSéries e à grande derrota comercial dos últimos anos por parte de canais televisivos nacionais (okay, não bate a saída da Cristina Ferreira da TVI para a SIC), a perda da sua galinha de ovos de ouro, que num paralelismo ao mundo desportivo quase que apetece equipará-la à saída do Ronaldo do Real Madrid para a Juventus, façamos um breve périplo por aquilo que nos oferecem outros canais. Claro que alguns deles, a maioria até, são distribuídos através dos pacotes básicos das operadoras, logo não há despesa acrescida para aceder a eles, mas não deixa de ser, à falta de melhor adjectivo, algo triste aquilo que oferecem ao consumidor.

Comecemos pela FOX (ou FIC, Fox International Channels, ou algo desse género) e os seus canais temáticos. Este que foi outrora um canal (ou grupo de canais) de referência, com muitas novidades e estreias de episódios com relativamente pouco tempo após a estreia nos EUA, vive hoje de… “The Walking Dead”. O que não deixa de ter a sua piada, visto que a política de programação do próprio canal parece ter sido zombificada. A outra bandeira, esta do FOX Life, é “Grey’s Anatomy” (“Anatomia de Grey” por cá). Estamos a falar de duas das séries norte-americanas que já há muito sentem o peso da veterania (queda de espectadores, queda enorme de qualidade) e mesmo assim são os totens da FOX. Faz-me lembrar o PCP, repleto de militantes-dinossauro a defender as mesmas ideias há décadas, sempre empunhando as suas bandeiras como se estas ainda tivessem a força que tiveram outrora. Mas pronto, estou a ser injusto, uma vez que também têm focado energias em enaltecer “This Is Us”. Vá lá, pelo menos isso.

Depois temos uma relação algo estranha com entre a FIC e o catálogo do FX. Obviamente que estou a comentar um assunto sobre o qual não possuo verdadeiro conhecimento de causa, seja relativamente a decisões de bastidores ou ao que está previsto nos contratos, mas como consumidor atento estranho alguma desconsideração quanto às séries produzidas pelo e para o FX, que é somente um dos canais norte-americanos com algumas das melhores séries dos últimos anos. “The Americans”, considerada por muitos como uma das melhores de sempre (!), foi recambiada para a FOX Crime, sem promoção de jeito, sem nada (bem, pelo menos não é exibida às 3 da manhã como acontece na TVI…). “Legion” relegada para as madrugadas e, pelo que vejo na programação das próximas semanas, “American Horror Story” também. É vergonhoso um grupo que outrora tinha orgulho em comunicar que iria exibir episódios de séries 24 horas depois destes estrearem nos EUA agora estrearem-nos semanas depois da estreia original e, ainda por cima, a horas insultuosas para os telespectadores que tanto fizeram por eles. Mas, enfim, é o que acontece quando se começa a ganhar algum dinheiro (e não deve ser pouco, tendo em conta a aposta recente da FIC em produzir séries originais; ao menos isso…).

Quanto ao AXN, nem sei se vale a pena falar. Este é tipo a TVI dos canais de séries de televisão. É o canal preferido desta geração mais jovem de donas de casa, que coloca a TV no AXN enquanto está a fazer a lida da casa. Qualquer série-soneca que seja produzida tem estreia garantida por aquelas bandas. E o que dizer da promoção agressiva relativamente a séries que foram canceladas ao fim de uma meia-dúzia de episódios?! Bem, pelo menos defendem os seus produtos com garras e dentes. E há que dar crédito que, mesmo sendo a TVI dos canais de séries de televisão, nunca tentaram ser outra coisa. É uma estratégia como tantas outras e merece respeito por isso.

Saltando para o caso peculiar do Syfy Portugal, o canal que estreia as séries mais chunga saídas dos EUA e que não estreia nenhuma das melhores séries do Syfy americano. “The Expanse”? Netflix. “Channel Zero”? Paradeiro incógnito. “Wynonna Earp”? Netflix. “Van Helsing”? Netflix. “Nightflyers”, aquela série baseada numa novella de George R. R. Martin que vai estrear em breve? Adivinharam se disseram Netflix. Só “The Magicians” fugiu à regra, provavelmente porque em termos de streaming quem tem os direitos é a Amazon Prime e, na altura em que a série veio para Portugal através do Syfy, esta plataforma ainda aqui não se havia implementado por cá. Fora isso, oferecem vómitos como “Siren”, “The Outpost” e “Aftermath”. Mas pronto, vá, têm “Game of Thrones”. Resta é saber se a última temporada da série está assegurada…

Todavia, o Syfy Portugal merece reconhecimento pela estratégia de trazer à sua programação séries de outras eras e com qualidade reconhecida. Com a reposição de “Buffy the Vampire Slayer”, “Stargate SG-1” e “Stargate Atlantis” ganharam pelo menos um espectador (eu) que não tinham antes.

De todos os canais dedicados a séries de televisão a emitirem em Portugal (e vou excluir o SundanceTV porque através do meu operador não tenho acesso ao canal), o AMC, apesar de ser o mais recente, é aquele com uma estratégia mais focada e uma das grelhas de programação que mais prestigiam os amantes de séries. Claro que têm a vantagem de ter à sua disposição muito do catálogo da sua “casa-mãe” que, à excepção de “Better Saul Call” (Netflix!), tem composto a grelha do canal. “Fear the Walking Dead”, “The Terror”, “Halt and Catch Fire”, “The Night Manager”, “Humans”, “Lodge 49” são garantias de qualidade (algumas mais que outras, claro…), mas também aquisições externas como “Ash and The Evil Dead” ou “Condor” (que estreará brevemente) revelam um canal apostado em satisfazer os consumidores portugueses.

E, por fim, regressamos ao TVSéries, agora homeless of HBO. As ramificações da quebra desta parceria ainda não são devidamente conhecidas, mas se o facto do canal já não ter estreado “Sharp Objects” ou “Succession” este Verão é preocupante, o não terem estreado as novas temporadas de “Ballers” ou “Insecure” ainda mais o é. Pessoalmente, passo bem sem ambas as séries, mas isto indica-me que outras que eu aprecio como “Veep” ou “Westworld” provavelmente também não terão a estreia de novas temporadas garantidas. E se eu deixei de lado a “pirataria” (mais ou menos…) para pagar uma mensalidade para ver séries exibidas em simultâneo à sua estreia nos EUA, agora vou continuar a pagar para quê? Para ver séries de segunda, como os Chicagos não sei das quantas? O que há verdadeiramente de qualidade ali? As séries do Showtime, um canal decrépito que não consegue uma série de jeito há anos? Okay, “Billions” e “The Affair” até se vêem (às vezes…), mas “I’m Dying Up Here” acabou de ser cancelada e o Sacha Baron Cohen tão depressa não consegue fazer mais “Who Is America?” (se bem que esta série também está longe de ser o melhor que ele sabe fazer e, apesar de ter tão poucos episódios, rapidamente se esgota). Felizmente, com a inclusão de “Castle Rock” e “Berlin Station” na grelha parece haver uma movimentação no sentido de suplantar esta nova condição de homeless of HBO, mas é muito pouco para um canal que se impõe como premium.

Mas o que me deixa mais abismado foi o completo desaproveitamento do catálogo HBO. Mais uma vez reforço que nada sei relativamente ao contratualizado e, por isso mesmo, posso estar a ser extremamente injusto na análise que faço com óculos de consumidor postos, mas a ideia que fiquei é que a Home of HBO contemplaria todas as divisões da casa. No entanto, aquilo que nos deram ao longo da duração desta parceria foi: estreias em simultâneo com a estreia nos EUA (superlativo!); reposição de “Deadwood” (soberbo!); novas séries da HBO (muito bom, mas a qualidade dos conteúdos actuais é bem inferior ao que foi noutros tempos); séries do Cinemax, um canal-irmão da HBO, como “The Knick”, “Banshee” e, vá, até “Quarry” (porreiro!); reposição de “Boardwalk Empire” (ok…); 500 repetições de “Game of Thrones” (populismo a funcionar…). Mais alguma coisa? De um canal histórico, que tem entre as suas produções várias consideradas por muitos como as melhores de sempre (“The Wire”, “The Sopranos”, “Six Feet Under”, só para constatar as mais óbvias), é apenas com isto que os consumidores portugueses se têm de contentar?

Não há que florear a realidade: as plataformas de streaming vieram para ficar e são o futuro. Permitem comodidade em termos de visualização, com cada pessoa a poder gerir as suas preferências e a consumir ao seu ritmo, oferecem conteúdos originais e abrangentes, com séries produzidas em diferentes países a chegarem a consumidores que doutra forma nunca chegariam, e, pelo menos para já, oferecem um serviço a um preço acessível. Um canal como o TVSéries, que é pago mas com uma oferta limitada e de frágil qualidade, deixam de fazer sentido. E não são as  NOS Plays e as FOX+ desta vida que farão alguma vez a diferença (um aparte: sinto que a NOS deve ter em alta consideração o TVSéries, de tal forma que colocaram “Handmaid’s Tale” exclusivamente na sua app de terceira categoria em vez do seu canal “premium” só para ver se ganhavam mais uns trocos… ganância, a quanto obrigas…).

A não ser que comecem a ser melhores na prospecção de novas séries ou comecem a produzir conteúdos originais, o que dificilmente acontecerá (nem a NOS, apesar de todo o capital que dispõe, para aí estaria virada, nem a produção nacional consegue ter adesão em termos de público que justifique um investimento do género, como certamente a RTP poderá atestar), este pode muito bem ser o princípio do fim para o canal.

3 opiniões sobre “Crónicas (T4): TVSéries – Homeless of HBO e o estado decrépito de (quase) todos os canais nacionais de séries de televisão”

  1. Acho impressionante (em mau, melhor, em péssimo) a propaganda que o AXN faz de séries que foram canceladas. The Catch foi um bom exemplo.

    São poucas as séries que acompanho via TV. Fear The Walking Dead (ajuda o facto de ser logo no dia a seguir e normalmente as legendas demorarem um pouco mais a aparecer ), GoT (pela mesma razão) e mais uma ou outra que não acho que tenha nível para a ir sacar mas se estiver sento-me a ver.

    Concordo com o panorama geral que dizes. As repetições ad eternum de certas séries e a estreia de séries que sabemos que ficaram-se pela primeira temporada é um absurdo nos dias que correm.

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  2. Excelente crónica. Atualmente, só acompanho Homeland (ou acompanhava porque ainda tenho os episódios da última temporada na box para ver :D), TWD (até quando?) e GOT… Durante muitos anos fui acompanhando séries através de outros meios (:D), principalmente porque causa do atraso em relação à emissão nos EUA (o AXN Black costumava transmitir Supernatural quase, se a memória não me atraiçoa, com um ano de atraso!!!). Produções novas, apenas acompanhei The Terror e AHS nas primeiras temporadas…

    Aproveito a reposição de algumas séries (Vikings por exemplo) para guardar na box e ver quando tiver tempo. De resto cada vez vejo menis TV tradicional…

    Concordo contigo, o streaming já é o presente. Acompanho quase tudo por lá (Stranger Things, The OA, Daredevil, Better Call Saul, Dark, Punisher The 100 e por aí fora). O que não está disponível na Netflix, vai através de meios mais arcaicos, até termos mais plataformas no nosso país 😀

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  3. Nunca consumi muitas séries nesses canais, derivado ao facto de não ter grande uso da TV nos últimos anos. Curioso é que, agora que tenho uma TV decente e disponibilidade para o fazer, também já não o faço – canais de séries só num daqueles zappings preguiçosos, quando não tenho mais nada para fazer. Aderi à Netflix e não me arrependo – não só vejo séries novas, como outras mais antigas que nunca tive oportunidade de ver. E, acima de tudo, permite-me também rever algumas favoritas. Parece-me que este é, como dizes bem, o caminho presente e de futuro.

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