Quando no panorama televisivo se endeusam desportistas e se sucedem programas supostamente sobre futebol, mas que de futebol nada falam, façamos uma viagem no tempo e comparemos o antes inocente e este presente envenenado. Procuremos, então, a origem de todos s males – se é que existe – e imaginemos que “Timeless” continua em exibição.
É que os anos 1980 possibilitam um paralelismo muito curioso no que respeita aos acontecimentos. Quase que poderíamos dizer que foi esta a década do embrião futebolístico actual. Foi neste local temporal que as televisões começaram a cobrir massivamente tudo o que fosse pontapé na bola, apareceram os primeiros programas onde se discutia futebol e se começou a apostar na formação de jogadores que viria a dar os seus frutos anos mais tarde.
Vamos ao ambiente futebolístico. Nos anos 1980, o Benfica iniciava o seu declínio. Perdera as principais figuras das duas décadas anteriores mas continuava a ter equipas temíveis que lhe permitiram chegar a finais. No entanto, o ocaso que conheceria na década seguinte começava a dar os seus primeiros sinais, muito por culpa de um magnífico FC Porto que, guiado por Pinto da Costa, e “educado” por Pedroto, Artur Jorge e Tomislav Ivic conquistaria Portugal, a Europa e o Mundo.
Na televisão tínhamos semanalmente direito ao “Domingo Desportivo”, programa dirigido por Mário Zambujal que nos dava os resumos e os golos da semana, assim como tinha espaço para a discussão e análise do futebol. Nada como actualmente; era uma vez por semana, entre jornalistas, sem fogo-de-artificio ou ódios clubísticos. Igualmente havia transmissões de jogos de futebol em canal aberto (pudera só havia dois canais televisivos e apenas um com horário alargado), podendo o público regalar os olhos e saciar o apetite com grandes clássicos futebolísticos verdadeiramente democráticos, com o aliciante das locuções filosóficas de Rui Tovar e Gabriel Alves.
O palmarés desportivo da década é impressionante: a nível internacional, o Benfica vence uma Taça UEFA, e o FC Porto vai à final da extinta Taças das Taças, para, no ano seguinte se sagrar Campeão Europeu contra o Bayern de Munique, num jogo incrível e inesquecível, e um ano depois vencer a Supertaça Europeia e a Taça de Campeão do Mundo.
Ao nível da Selecção nacional é, igualmente, para recordar pelos bons e pelos maus motivos. No Euro 1984, realizado em França, Portugal – com quatro treinadores! – fica em terceiro lugar, perdendo o acesso à final num jogo impróprio para cardíacos ao ser derrotada no prolongamento pela… França. No mundial seguinte, realizado no México em 1986, um míssil milagroso do benfiquista Carlos Manuel derrota a Alemanha na fase de grupos e classifica Portugal para um Mundial de muito má memória. Finalmente, em 1989, Portugal nos sub-21 torna-se campeão do Mundo, em Riade, na Arábia Saudita.
De entre os jogadores que marcaram a década saliente-se os mágicos Futre e Chalana e o goleador-mor Fernando Gomes.
Politicamente foi a época da estabilização europeia: Portugal e Espanha aderiram à União Europeia, o Mercado Comum tomava forma concreta, o mundo iniciava a descompressão com os abanões do bloco comunista, Portugal iniciava o seu “milagre” económico e consolidava a democracia.
A imagem que fica do mundo futebolístico é bem diverso do actual. As condições dos clubes não eram tão profissionais, não vivendo das academias ou de contratações no estrangeiro pois as vagas para jogadores não portugueses eram reduzidas; os grandes clubes goleavam por 5, 6 e 7 golos os mais pequenos, os quais tinham em vários casos campos pelados e na Primeira Divisão estavam clubes como o Salgueiros, ou o Amora entre outros.
Mas a imagem que se tem dos jogadores da altura é a… do bigode! Raros eram os jogadores que não ostentavam com garbo um majestoso e farfalhudo tufo de pilosidades supralabial. Basta passar pelas fotografias dos jogadores da altura para constatar essa moda. Pode-se dizer que a década de 1980 foi a década do Bigode!
Actualmente, é curioso ver os contrapontos. O FC Porto que tudo dominara durante três décadas parece (parece!) ter iniciado o seu declínio perante um Benfica que (re)surge em força, tendo conseguido ir a duas finais consecutivas da Liga UEFA, guiado por Luís Filipe Vieira e educ… treinado por Jesus que veio à terra para dar três campeonatos e por Rui (quase justamente) Vitória. Para já conquistou Portugal. Ou pensa. Ou parece.
Na televisão temos diariamente autênticos ringues de boxe onde se discute (e insulta) o futebol que passa em canal fechado, mediante subscrição com excepção para alguns jogos europeus e da Selecção Nacional.
O palmarés desportivo destes anos é interessante: a nível internacional, o Benfica vai a duas finais europeias que perde. Ao nível da Selecção Nacional é, igualmente, para recordar pelos bons e pelos maus motivos; duas meias finais, um 3º lugar no Mundial de 2006 e uma final em 2016. No Euro 206, realizado em França (coincidência), Portugal ….. França.
De entre os jogadores que marcaram a década saliente-se… Cristiano Ronaldo (e está tudo dito).
Politicamente foi a época da desestabilização europeia: O Reino Unido referenda a continuidade no projecto europeu e prepara-se para abandonar a União Europeia, o Mercado Comum parece uma coisa boa o mundo está um caos com os refugiados, os terroristas, a ascensão da extrema-direita e novos partidos e… pelo Trump e brevemente Bolsonaro (que nos dirá muito mais).
A imagem que fica do mundo futebolístico é a de clubes hiperprofissionais, com estádios majestosos, academias que são autênticos aviários de estrelas, clubes como o Tondela e jogadores que cuidam da sua imagem, idolatram o corpo que se tornaram murais de tatuagens e o supralabial e farfalhudo bigode, espalha-se pelo faciés estilizado dos jogadores povoando toda a face.
Mas o que fica – e indigna – são os gritos histéricos de ódio que atira adeptos uns contra os outros, que envenena o ambiente, endeusa e justifica injustificada e imoralmente todos os actos menos próprios dos pequenos deuses de um Olimpo inexistente a que chamamos estrelas de futebol (veja-se o tratamento que procura desculpar os escândalos em que futebolistas se envolvem. Tudo sobre o olhar complacente de canais televisivos cada vez mais sequiosos de dinheiro e audiências.
Reparo: O Benfica foi à final da Taça UEFA em 83, mas perdeu frente ao Anderlecht (1-0 e 1-1) 😦
Já o disse várias vezes, cada vez menos sigo o “extra-futebol”… Fico pelo que realmente interessa, o “jogo jogado” nas 4 linhas. Não tenho a mínima paciência para as guerras ridículas que se travam todas as semanas… Por alguma coisa virei-me para o ténis, o verdadeiro desporto de cavalheiros…
Já agora, saudades do Domingo Desportivo.
GostarGostar